sábado, abril 11, 2009

REGRESSO

Acabaram-se as curtas férias. Estou de regresso.
Ao longo desta semana, aproveitei para pôr a leitura em dia. Ao fim de cada tarde, depois de ter esquiado, sentava-me na sala de estar do hotel e ia lendo o que levei. À minha frente, tinha uma grande vidraça que me mostrava a Serra Nevada coberta de neve. Um espectáculo magnífico!
Anteontem, estava a ler um livro recomendado pelo Hamilton: Desmedida (crónicas do Brasil) do Ruy Duarte de Carvalho. Já o tinha há bastante tempo, mas só agora consegui começar a lê-lo. Já sabia que era denso e tenho-me entretido com coisas mais leves.
De repente tudo fez sentido. Tinha a serra à minha frente, ouvia no ipod trechos do Out of África e lia um livro que versa as relações antigas entre o Brasil, Portugal e Angola.
E de repente, o meu mundo fez sentido. Deixei de ver a Serra Nevada. À minha frente estavam anharas sem fim. E, vi zebras correndo desenfreadamente em direcção às montanhas distantes.
Deixo-vos aqui o trecho do livro que estava a ler na altura. Aconselho-vos a comprá-lo se se interessam por estes temas. Dele já li outro livro magnífico: Vou lá visitar pastores.

A África, para homens de cultura ocidental do tempo de Burton, é uma reserva de horrores e de insalubridades, um continente maldito, teatro do horror absoluto e de uma estupenda selvajaria originária... E é a pátria do sangue poluído, amaldiçoado e negro, dos descendentes de Cam, filho de Noé. Se embriagou Noé, e adormeceu, descomposto dentro de sua tenda. E seu filho Cam o viu assim e falou disso, a rir, a Sem e a Japhet, seus irmãos mais velhos. Os quais se muniram então de um pano e entraram na tenda às arrecuas, para cobrir sem ofendê-la, a nudez do pai. Depois de acordar e de vir a saber como se tinha comportado Cam, seu filho benjamim, Noé amaldiçoou-lhe a descendência: será servidora e escura. É a partir daqui, parece, que as interpretações talmúdicas e as tradições judaicas associam a cor negra à servidão imposta à descendência de Cam. ... E a partir daqui viraria ensaio... Desde o século dezoito que a identificação dos filhos de Cam aos povos negros se tinha tornado uma espécie de evidência capaz de justificar a escravidão e a evangelização ao mesmo tempo. Mas, reconsidera-se ao longo do século dezanove, a exegese da bíblia ao mesmo tempo que começam a ter lugar as especulações e as observações dos exploradores que visitam África. Ao monogenismo bíblico substitui-se um poligenismo científico que exclui os povos negros da linhagem noémica e favorece o embranquecimento de Cam. Os três filhos de Noé passam a representar três ramos da raça branca. Os povos negros escapariam assim às origens iniciais. Alarga-se o fosso entre brancos e negros. Para a expansão ocidental é impossível admitir uma qualquer civilização negra e é reconsiderada uma ascendência asiática para os egipcios.... É instaurada uma distinção fundamental entre populações africanas absolutamente negroides e não inteiramente negroides...

E por aí adiante. Acreditem ou não, só muito mais tarde a igreja (sempre a igreja), lançou um decreto papal, afirmando que os indios do Brasil afinal eram seres humanos!

Fiquem bem.
Um abraço
GED

3 comentários:

Jose Lobo Pires disse...

Caro,

Bom regresso. Pelo que escreves seguramente deu para descansar e por em dia algumas dívidas que tinhas contigo próprio. Que bom sentir Africa nas palavras do escritor, viajando pelas anharas imensas. Se não sabes, nasci no Luso, Moxico onde imperam anharas a que não vemos o fim. Já ouvis-te falar na anhara da Cameia? Atravessei-a muitas vezes de comboio, 80 km planos e praticamente linha recta. O meu pai maquinista do CFB dizia que era regulador de vapor no fundo e deixa andar, quase dava para uma pequena sesta.Boas recordações. Um grande abraço e uma vez mais bom regresso, estou certo que fazes falta aos teus amigos.

Lobo

Maria de Lurdes disse...

Bom regresso e coragem para enfrentar a próxima fatia de realidade, até ao retorno às origens em Novembro.Com que então, um angolano também aprecia a neve? E porque não? Um cidadão do mundo sabe disfrutar das coisas boas que esse mesmo mundo lhe proporciona. Esta observação é decerto uma banalidade,mas os clichés reflectem as grandes verdades da vida.
Voltando à "polémica" dos escritores e respondendo a F.Marta,acho que gente inteligente (e desculpem-me por imodestamente forçar a minha inclusão nesse grupo)estará, nas coisas básicas e fundamentais, bem lá no fundo, de acordo e a discordância será talvez resultante de nuances de pontos de vista,os quais podem ser enriquecedores.
Reafirmo que gostei dos seus poemas.É claro que sou isenta, já que não faço a mínima ideia de quem é.Não estou hipotecada seja a quem for ou ao que for. Nunca curvei a cerviz, nem tenciono vir a fazê-lo, agora que a idade me concede essa prerrogativa. As opiniões que manifestei até agora no blog são,por mero acaso,coincidentes com as do dr.Henrique,sem que isso implique qualquer espécie de hipoteca ou bajulação. Tenho por ele o maior respeito, como pessoa e como profissional,mas esse facto não me inibirá aquando de eventuais divergências de opinião (um dia destes gostaria de escrever sobre racismo e ...jackings,mas por "azar" lá concordarei outra vez com o dr.).
Receio não ter compreendido a sua referência a Sampas (a quem peço desculpa pela familiaridade de tratamento, mas não lhe conheço outro nome)e à reforma dele.Será que está a ser simpático comigo e que isso lhe trará algum "dissabor",por eu ser uma senhora?Se assim é, por favor não se constranja, "bata" sempre e com quanta força achar por bem, porque se eu tiver engenho e arte responderei com frontalidade e com a magnanimidade que se deve ter para com o "adversário". Aguardo pelo papel de embrulho com curiosidade, pois a divergência de opiniões estimula-me intelectualmente. E se F.Marta valoriza o reconhecimento internacional,a idade do escritor e a concomitante experiência de vida, aí tem a contradizê-lo a atribuição do prestigiado Booker Prize 2008 a Aravind Adiga, de 30 anos,com a sua primeira obra "O Tigre Branco", sobre a sua Índia natal.
Quero ainda e aqui deixar expresso que fiquei sensibilizada pela deferência de F.Marta e do dr. Henrique para comigo.
Voltando às suas capacidades criativas: então os poemas saem-lhe sem saber como nem onde os foi buscar? E ainda compõe melodias? Isso é revelador de sensibilidade para se emocionar pelos factos do quotidiano e de maestria para os plasmar em papel.Esse talento só foi concedido pela divindade, qualquer que ela seja, a poucos eleitos. Que inveja eu não pertencer a tal elite!De facto, e parafraseando Sócrates, o autêntico,"eu só sei que nada sei...fazer", não possuindo qualquer talento específico. Não escrevo poemas, não tenho "mão" para a fotografia,só pinto temas naturalistas (o que é arte menor) e em porcelana,nunca experimentei escultura, não toco qualquer instrumento, etc.Apesar disso, sou sensível ao resultado do talento dos outros, vibro e usufruo do labor dos talentosos que têm a generosidade de disponobilizar as suas obras à contemplação de outrém
E pelo pouco que já li neste blog, talento não falta aqui.
Um abraço para os dois.
Lurdes Marques

fmartaneves disse...

É sempre com grande prazer que recebo o regresso dos amigos, mesmo correndo o risco de ser algo egoísta. O Henrique estava muito bem lá na Serra, fazendo aquilo que mais gosta – ler, escrever e ouvir música (quem não gosta?). Deleitando-se com uma paisagem e… sonhando com outra. Não sei se ele seria capaz de estar por lá muito mais tempo. O seu irrequieto modo de estar na vida não o permitiria, por muito que esquiasse…Faltar-lhe-ia o espaço. "As anharas sem fim, onde corriam desenfreadamente as zebras, em direcção às montanhas distantes". A serra coberta de neve, mesmo sendo um espectáculo magnífico, iria parecer-lhe muito próxima, limitada na distância e no espaço de que tanto necessita. Faço votos que esses dias tenham servido para o necessário retempero de forças necessárias para enfrentar o complicado dia a dia e não lhe tenham aguçado ainda mais o apetite de regresso às origens, lá, mais a Sul.
A Maria de Lurdes que em jeito de boas vindas escreveu:
“Bom regresso e coragem para enfrentar a próxima fatia de realidade, até ao retorno às origens em Novembro.Com que então, um angolano também aprecia a neve? E porque não? Um cidadão do mundo sabe disfrutar das coisas boas que esse mesmo mundo lhe proporciona. Esta observação é decerto uma banalidade, mas os clichés reflectem as grandes verdades da vida.”
O Manel, o “Sampas” encontrou esta poética forma de se despedir e desejar boas férias ao amigo Henrique:
"Meu querido amigo, folgo muito em saber que vais voltar à neve... Fazes bem! Mais tarde, eu sei, voltarás ao Sul... (eu também gostaria de voltar...) Uma alma grande é aquela que é capaz de amar uma coisa e, muitas vezes, o seu contrário. E é maior ainda quando o admite e o não esconde".
Lindas e diferentes formas de expor e revelar pontos de vista não muito distantes.
Aqui poderá levar a vantagem o Manel, pois, conhece o visado há mais tempo, muito tempo, podendo assim personalizar e aproximar mais as suas opiniões (com visível carinho mas, ainda assim, aproveitando para dar - quase sempre - uma ou outra “suave” alfinetada). A Lurdes tem de generalizar mais, pois parece-me estar agora, à medida de vai entrando no Noite Vertical, atentando a certos “estados de espírito”, paixões ou fixações (como diz e muito bem o Manel), do Henrique. Agora, voltando à “nossa questão” não é muito fácil discordar do Henrique que, naquilo que escreve consegue geralmente transmitir algo que me é muito caro e que se aproxima muito da minha forma de sentir as coisas. Em relação aos escritores revejo-me mais no que opinou o Manel, este outro que escreve muitíssimo bem e com um raro toque poético. Como disse o Henrique (penso eu) e muito bem: - O Manel é “era” bancário por necessidade e escritor por vocação, comentário que eu li algures e com o qual não posso deixar de estar, de acordo, depois de ler umas coisas dele. Espero que aproveite a disponibilidade que agora tem para se dedicar áquilo que mais gosta e que lhe dá mais prazer. E que dizer da Lurdes? Que escreve bem? Em boa hora apareceu. Falo por mim e é também essa a opinião do Henrique, que não sei porquê me parece ter um certo gozo nos embrulhos que vou fazendo…Já agora, Henrique, ter de aturar a Lurdes…, também te aturo a ti! - Embrulha. Onde andará o Manel? Não muito longe! Talvez ao “Calhas” agora na sua nova situação, fazendo qualquer coisa “Avulso”. Aguardemos em relação à Lurdes o parecer do nosso amigo, pois, segundo aquilo que eu conheço e que já vem de há muito tempo, de família, ninguém melhor a receber… O Manel, o Sampas - Manuel Sampaio é um daqueles amigos que está lá…Uma amizade não vivida mas sentida. Há muita coisa que nos aproxima e, se não bastasse o facto de termos vivido (com muita intensidade) numa pequena e única terra chamada Cubal, uma cidade do distrito de Benguela, em Angola, com muitos amigos comuns, a grande amizade dos nossos pais seria, por si e só, para mim, o suficiente para o considerar como tal. Se a Lurdes quiser conhecer melhor o Sampaio, é só dar uma espreitadela ao Blog “Avulso & ao Calhas”. Quanto à minha pessoa, passo a apresentar-me: Cinquentão, algo (bem) pesado, com uma boa dose de mau feitio, nem sempre fácil de aturar, mas, regra geral, bem-humorado, não bipolar (penso eu). Amigo, pronto a ajudar, por vezes incompreendido, feliz mas insatisfeito, sonhador, esperando D. Sebastião… Um pouco (ou talvez mais) preguiçoso, desiludido com alguma gente…triste perante o desrespeito pelo próximo, revoltado com tanta ignorância e estupidez… espantado com o sem número de gananciosos, insaciáveis, autistas (sem ofensa) e estúpidos… Eles e também nós…que deixamos!
Também, como o Manuel, acabei por ser bancário quando gostaria de ter sido tanta coisa…músico, arquitecto ou arqueólogo, ou tudo isso, mas a preguiça…a matemática e o deixa andar…
Penso que assim a Lurdes que julgo, e nunca o contrário me passou pela cabeça (Deus me livre), isenta, já poderá fazer uma pequena ideia com quem está a lidar (boa gente acima de tudo). Mas, cuidado com os (maus) feitios. O Henrique, já conhece…

E a Anabela, que é dela?

Feito às pinguinhas e enviado hoje para não cansar muito.

Lurdes, quando puder, e em relação ao “assunto” que ainda não consegui abordar convenientemente, voltarei à carga! Com certeza.

Um abraço a todos

Ps. Julgava ter enviado este apontamento na madrugada de hoje mas, afinal, por qualquer motivo alheio à minha vontade, ele não seguiu. Por isso cá vai!